Atitude profissional é fundamental para comercialização de produtos artesanais
Tânia Machado, fundadora do projeto Mãos de Minas - uma central de associações e cooperativas no Estado de Minas Gerais com mais de 7 mil associados-, mostra que para obter sucesso na comercialização de produtos artesanais é fundamental que o artesão aja com profissionalismo e esteja atento a todo o processo de produção, cumpra a legislação vigente, e se comporte com responsabilidade, compromisso e respeito ao consumidor. Tânia vê perspectivas de crescimento do setor de artesanato brasileiro, que hoje conta com mais de 8,5 milhões de artesãos, mas adverte que, para isso, é preciso que os profissionais se organizem numa entidade nacional e que estabeleçam maior interlocução com o setor público.
Mobilizadores COEP - A que aspectos o artesão tem de estar atento para assegurar boas condições de comercialização a seus produtos?
R. Já se foi o tempo que artesanato era considerado projeto social. Hoje, o produto artesanal está inserido no mercado consumidor e concorre inclusive com produtos oriundos de outros países.
É de suma importância que o artesão atente para questões como: preço justo (tanto para o artesão, quanto para o comprador); Código de Defesa do Consumidor (produtos que não façam mal à saúde, que não soltem farpas, que não usem tintas tóxicas etc); embalagem adequada e que não agrida ao meio ambiente; etc. Para isto, ele deve participar de treinamentos que o ensine a atuar com competência nas áreas citadas.
Mobilizadores COEP - Quais as principais dificuldades enfrentadas para levar a produção artesanal ao mercado?
R. Quando eu pergunto a um artesão qual é o seu maior problema, quase que 100% das respostas são: COMERCIALIZAÇÃO. Então eu respondo: comercialização é solução e não problema. O que está ocorrendo é que você não está conseguindo atingir a solução, que é comercializar seu produto. Então pense bem:
Como você vende?
Você tem Nota Fiscal?
Como você embala?
Você tem caixas adequadas?
Você dá prazo para o cliente atacadista? Ou exige que ele pague adiantado ou à vista?
Qual é a diferença de preço de seu produto no varejo e no atacado?
Você sabia que o lojista tem que dobrar o preço de custo de um produto para vender?
Você sabia que este valor que acrescenta é para cobrir os custos do lojista com aluguel, vendedores, divulgação, embalagem e outros?
São questões que o artesão tem que pensar. A Nota Fiscal é uma garantia, inclusive dele, pois é o documento que lhe permite cobrar do lojista no caso de um atraso de pagamento.
Agora tudo isto tem que ser feito com planejamento. Você não tem que dar um desconto de 50% a 60% para o lojista só porque ele está pedindo. Você tem que ver se o seu custo comporta isto. Se os lojistas pedem prazo, você tem que ver se tem capital para segurar este prazo, se não, tem que buscar uma fonte de financiamento segura e incluir o custo do financiamento no produto. Mas isto se faz com treinamento, conhecimento dos processos, e entendimento das duas partes: a sua e a do comprador.
Mobilizadores COEP - Quais são as principais barreiras à comercialização de produtos artesanais perecíveis como alimentos? Como solucionar essas dificuldades?
R. Alimento é coisa muito séria! A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem uma legislação nacional, mas o estado pode fazer uma outra legislação que sobrepõe a legislação nacional e vale para dentro de seu território, e o município também pode fazer uma legislação que sobrepõe a nacional e a estadual e vale para sua área territorial. Assim fizemos em Minas. Criamos uma legislação, o Decreto 44.133, que valia para Belo horizonte e depois criamos outra que vale para Minas Gerais. Agora, o importante não é a legislação simplesmente. Somente conseguimos isto porque respeitamos o consumidor no que se refere à manipulação dos alimentos, higiene, e etiquetagem dos produtos informando seus componentes.
Para localidades onde exista um grande número de produtores com a mesma matéria-prima, a solução é a criação de uma cooperativa onde a finalização dos produtos siga a legislação da Anvisa Nacional. Assim, os produtos, fabricados dentro das boas práticas, poderão ser comercializados em qualquer local do Brasil e inclusive exportados.
Mobilizadores COEP - A formação de associações e cooperativas é a melhor alternativa para fortalecer os produtores artesanais? Por quê? Que outras alternativas podem ser consideradas?
R. A criação de uma associação ou cooperativa não deve ser um ato isolado. As pessoas para fazerem isto devem estar bem conscientes da palavra COOPERAR. A maioria das associações e cooperativas deste país não funciona, pois elas tentam que a produção seja em conjunto. Tratando-se de artesãos, quando falamos de criatividade e arte, cada um tem a sua e muitas vezes não quer compartilhar com o outro a sua criação. Assim, os artesãos têm que se juntar e ver quais seriam aqueles serviços ou trabalhos que poderiam ser feitos juntos e fazer da associação um local de prestação de serviços aos seus associados, porque quando feito em bloco levará a uma competitividade maior.
Veja o exemplo da Mãos de Minas, quais os serviços que temos:
a) legalização das vendas - cada artesão faz sua venda diretamente e pega conosco a Nota Fiscal, ficando responsável pelos direitos e deveres relativos àquela nota;
b) central de vendas - os artesãos que não querem, não gostam ou não podem se preocupar com as vendas, colocam os produtos para venda em nossa loja, situada em Belo Horizonte;
c) loja virtual - os associados que têm produtos na loja, podem colocar seus produtos na loja virtual. Hoje, atendemos somente a lojistas. A partir de junho/2009, passaremos também a vender no varejo com entregas em todo o Brasil;
d) site Artesanato Mineiro - onde todo associado pode colocar uma foto de um produto para divulgação de sua oficina;
e) central de compras - para os artesãos que desejam se juntar a outros para comprar matéria-prima em bloco e assim ganhar preço e prazo
f) central de embalagens - produz caixas para os associados, na quantidade e tamanho que eles precisam, sem a necessidade de grandes investimento.
g) central de resíduos - para que os artesãos sejam informados dos resíduos dos outros e assim possam fazer suas negociações. Exemplo: As sobras de quem faz colchas é a matéria-prima de quem faz bonecas. A sobra de quem faz móveis é a matéria-prima de quem faz caixinhas, e assim por diante.
h) central de consultorias (advocatícia, contábil, custos, design, alimento) – os serviços de consultoria desses profissionais são disponibilizados aos artesãos conforme sua necessidade;
i) participação em feiras nacionais e em seis feiras na Europa e nos EUA – levamos para essas feiras os produtos de nossos associados;
j) participação na Feira Nacional de artesanato – os associados podem adquirir um estande a preço diferenciado ou colocar seus produtos na Loja Mãos de Minas que também vai para a feira
k) participação de feiras, congressos e eventos para os quais somos convidados- sempre somos representados nesses eventos por um associado ou um grupo de associado.
l) participação no site de exportação Brazilhandicraft;
m) Fundo de comercialização - adiantamos para o artesão o valor dos produtos colocados na loja para venda.
Como podem ver, não existe a produção em comum. Cada um produz o seu e usa os serviços que precisa na associação.
Mobilizadores COEP - O que é preciso para ter acesso a esses serviços?
R. Para ter acesso a esses serviços, é preciso que o interessado:
a) seja artesão
b) seja o produtor
c) more em Minas Gerais
d) traga uma amostra do produto (ou foto, caso seja muito grande)
e) preencha a ficha de inscrição
f) participe do seminário de informações da associação
g) se quiser colocar produtos na loja, deve trazer todos os produtos que quer comercializar, os quais serão analisados pelo comitê de compra. Se aprovados, primeiro são colocados na loja consignados. Se aceitos pelo mercado consumidor, entram no fundo de comercialização e passam a receber adiantado.
Mobilizadores COEP - A comercialização via internet é uma alternativa viável? O que é necessário para que seja bem sucedida?
R. Compromisso. Um bom site de venda e cobrança. Caso não tenha condições de fazer entregas via internet, o que demanda embalagem, uma empresa de entrega confiável e um convênio de recebimento também confiável, é melhor usar a internet somente para a divulgação dos produtos.
A foto na internet tem que ser a melhor possível (não precisa contratar um fotógrafo profissional, mas o produto precisa estar bem colocado, o fundo da foto deve ser de preferência preto), têm que ser especificados a metragem e as opções de cores (com foto das amostras) e de tamanho.
O compromisso é fundamental. Se não tem o produto no momento, esta informação deve ser dada em momento real, principalmente se o pagamento for imediato. Se disse que entrega em 10 dias, tem que ser 10 dias...não dá pra ser 11 ou 12...
O produto enviado tem que ser exatamente o da foto (lógico que quando se trata de produtos artesanais existem, às vezes, pequenas diferenças e esta informação deve ser colocada no site).
Agora, existe um monte de serviços de venda pela internet que não precisa de um provedor ou um design gráfico para desenvolver o site. O Correio mesmo tem um sistema ótimo! É o www.shoppings.correios.com.br
Mobilizadores COEP - O que é o projeto Mãos de Minas e como ele tem conseguido superar as barreiras à comercialização dos produtos artesanais?
R. Responsabilidade, compromisso e respeito ao consumidor. O fato de o artesão ser associado da Mãos de Minas não garante a ele a venda através de nossos sites, feiras e lojas. Ele tem que demonstrar esta responsabilidade. Temos a confiança de nossos compradores de que se houver algum problema com este ou aquele produto iremos ressarci-los; que entregaremos no prazo correto; e que os produtos serão exatamente o que compraram.
A Mãos de Minas é uma Central de associações e cooperativas no Estado de Minas Gerais com mais de 7 mil associados e sua fortaleza está na auto-sustentabilidade, ou seja, todo o seu custeio é pago pelos associados, cada um dentro da sua situação. Os associados pagam um percentual de suas vendas diretas (quando eles pegam conosco a Nota Fiscal de suas vendas); os da capital pagam uma mensalidade e os do interior uma anuidade. Com isto, as despesas correntes (aluguel, água, luz, telefone, pessoal, contador, etc) são todas pagas com recursos dos próprios associados, o que permite que não dependamos de nenhum subsídio governamental ou de empresas para nossa sobrevivência. Evidentemente, temos projetos especiais onde buscamos patrocínios ou subsídios, mas são projetos que se acontecerem, ótimo, se não acontecerem, os serviços normais da associação não param por isso. Tanto que entra governo, sai governo, nada muda na nossa rotina (já passamos por 8 governadores e não houve nenhuma modificação no nosso dia-a-dia).
Mobilizadores COEP - O Mãos de Minas conseguiu fazer uma parceria com o poder público em Minas. De que forma isso aconteceu? O que associações de outros municípios e estados podem fazer para tentar viabilizar parcerias semelhantes?
R. Não foi uma parceria. Conseguimos aprovar um projeto de lei que garante ao artesão mineiro (indiferente de ser associado ao Mãos de Minas ou não):
a) Inscrição Estadual coletiva - isto quer dizer que usando a inscrição estadual da Central Mãos de Minas, mais o CPF do artesão, ele pode emitir Notas Fiscais de suas vendas, cujos direitos e deveres são do associado (funciona como uma Nota Fiscal Avulsa do Estado que é fornecida pelas divisão de Tributação da SEF [Secretaria de Estado de Fazenda]).
b) Redução da Base de Cálculo - com isto, o ICMS que deveria ser pago pelo associado para vendas a lojistas (revendedores) foi reduzido de 18% para 7%.
c) Crédito presumido - como a maioria da matéria-prima do artesão é da natureza, e mesmo quando compra na indústria, compra em valor reduzido, conseguimos um crédito de ICMS de 4%. Com isto, considerando a Redução da Base de Cálculo, mais o Crédito Presumido, o ICMS do artesão em Minas Gerais é de 3%.
Mobilizadores COEP - Qual a dimensão do setor artesanal brasileiro? Ainda há possibilidade para o crescimento desse setor? Que políticas públicas seriam necessárias para isso?
R. Segundo o IBGE, no Brasil existem 8,5 milhões de artesãos. Eu, pessoalmente, acredito que, se considerarmos também os produtores artesanais (pessoas que produzem manualmente qualquer coisa), é muito mais do que isto. Evidente que o setor pode crescer mais, pois o público consumidor está sempre procurando algo de diferente e o artesanato tem este potencial de estar sempre inovando, sem lotar o mercado com um produto. Agora, realmente faltam políticas, mas acredito que muito disto seja culpa do artesão, pois como não existe uma organização nacional (nem mesmo estadual) de representatividade do setor, não existe interlocução com o setor público.
O MEI (Microempreendedor Individual) vai resolver em parte a questão do artesanato, mas não totalmente. A legislação do IPI hoje, se for cumprida, levaria o artesão a pagar 20% de imposto, pois ela é de 1964, quando artesanato era considerado um projeto social. A profissão de artesão não é reconhecida e não está na lista do COB (Código de Ocupações Brasileiras). Enfim, há muito o que ser feito, mas depende também muito do movimento organizado do artesanato.
Mobilizadores COEP - O que é e como surgiu o Programa de Certificação da Produção Artesanal (PCPA)? Os artesãos de todo o país podem participar? E qual o objetivo do selo de qualidade do Instituto Qualidade Sustentável (IQS)?
R. Quando começamos o projeto de Exportação tínhamos que mostrar um diferencial dos produtos dos nossos associados em relação aos oriundos da África e Ásia. Queríamos mostrar que nossos produtos não usam mão-de-obra infantil nem escrava, que nossos artesãos recebem um preço justo pelo produto, assim como seus ajudantes, e que as matérias-primas utilizadas não degradam o meio ambiente. Assim, decidimos criar um Selo que garantisse ao comprador estes critérios que são base do é mundialmente conhecido como Comércio Justo.
Então, para que o artesão recebesse (ou não) o Selo, ele precisaria passar por uma série de intervenções que mostraria claramente o seu processo produtivo. Daí, criamos a ferramenta CADEIA PRODUTIVA DO ARTESANATO, onde o artesão pegando produto por produto, levanta os dados do antes (como é o local de produção, qual o ferramental que usa, onde busca sua matéria-prima, qual a mão-de-obra que necessita), o durante (descrição minuciosa de cada fase da produção, envolvendo matéria-prima, mão-de-obra, local) e o depois (o produto está pronto: o que fazer com ele? Como estocar? Como embalar? Como vender?). Fazendo o levantamento da cadeia produtiva, o artesão levanta também todos os pontos negativos e daí sai um Plano de Ação, e ele recebe um consultor que o ajuda a colocá-lo em prática.
Durante o processo, aplicamos também os 5S do Artesanato, que está presente em qualquer manual de Qualidade Total:
SEIRI Senso de seleção e utilização
SEITON Senso de ordenação
SEISOU Senso de limpeza
SEIKETSU Senso de saúde
SHITSUKE Senso de autodisciplina
Por que uma oficina artesanal tem que ser bagunçada? Por que tem que ser suja? Por que o material tem que ficar jogado e não pode ser organizado? Hoje, os produtos que usam o Selo de Qualidade IQS são reconhecidos tanto no mercado nacional quanto no mercado internacional, como um produto que vale a pena ser adquirido.
Qualquer artesão brasileiro pode reivindicar o Selo de Qualidade IQS, desde que passe por todo o processo conosco.
Mobilizadores COEP - Considerando a experiência do Mãos de Minas, o que recomendaria para quem pretende tornar o artesanato uma fonte de geração de renda?
R. Primeiro, acreditar no seu potencial (se você mesmo não acredita, como é que os outros vão acreditar?)
Segundo: buscar informações sobre custos, matérias-primas, tecnologia (tem gente que questiona tecnologia no artesanato...Mas acho que podemos sim usar tecnologia para dar formas à criatividade do artesão), tendência de mercado, outros artesãos próximos que podem fazer parcerias na comercialização, etc.
Terceiro: seriedade e responsabilidade. Cumprir os compromissos assumidos e, para isso, só assumir compromissos que realmente pode cumprir.
Quem quiser obter mais informações sobre nosso trabalho pode visitar os sites:
www.maosdeminas.org.br
www.centrocape.org.br
www.bcodopovo.org.br
www.artesanatomineiro.com.br
www.brasilhandicraft.org.br
www.feiranacionaldeartesanato.com.br
taniamachado.wordpress.com
Entrevista concedida à: Marize Chicanel
Edição: Eliane Araújo
Fonte: http://www.mobilizadores.org.br de 19/05/09.
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